Boletim Eletrónico APECA n.º 23 (Maio/2019)

Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA:

"O CONTRATO DE COMODATO E AS VIATURAS SUJEITAS A TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA”

O contrato de comodato e as viaturas sujeitas a tributação autónoma

A celebração do contrato de comodato para utilização, por parte da empresa, de viatura particular, propriedade de membro dos órgãos estatutários e/ou colaborador, parece ser o instrumento mais interessante para atenuar, ou dissipar, a tributação autónoma sobre as viaturas ligeiras de passageiros, assim como sobre as viaturas ligeiras de mercadorias do tipo N1, em IRC.

Como demanda o art.º 1129º do Código Civil, comodato é um contrato gratuito, em que uma das partes entrega à outra, determinada coisa, móvel ou imóvel, para que esta se sirva dela, com a obrigação de a restituir. Ora, não sendo a viatura propriedade da empresa, a mesma, não poderá ser reconhecida, evidentemente, como ativo fixo tangível, e, por conseguinte, não poderá ser depreciável, contabilística e fiscalmente. Com efeito, tendo em conta que a maior expressão das tributações nas viaturas respeita, grosso modo, às depreciações, através da utilização deste instrumento, é possível atenuar, substancialmente ou dissipar (em caso de utilização, p. ex.), o imposto a liquidar. Conclui-se, portanto, que as taxas de tributação autónoma incidem, apenas, sobre os encargos suportados e reconhecidos na contabilidade pela empresa, conforme previsto, aliás, regra geral. A este respeito, importa atentar às informações vinculativas relativas aos proc. n.º 6067/09 e n.º 6070/09, em que se admite a aceitação fiscal dos encargos suportados com a reparação e conservação das viaturas, sendo mais abrangente a segunda ficha doutrinária, nomeadamente, combustíveis e seguros, com exceção das depreciações e rendas (leasing e renting). O conteúdo, de tais instruções administrativas, suscita concordância, sendo certo que não seria necessário a Autoridade Tributária pronunciar-se sobre os encargos suportados com a reparação e conservação das viaturas neste regime, visto que uma das principais obrigações  do comodatário é, precisamente, guardar e conservar a coisa emprestada, consubstanciando, tal facto, na salvaguarda da sua aceitação fiscal. Quanto à taxa de tributação, a aplicar, entende-se que deverá ser determinada face ao valor de mercado da viatura, conforme previsto no n.º 5 do art.º 24º do CIRS, para a determinação do rendimento proveniente da utilização pessoal de viatura da empresa, mediante acordo escrito. Contudo, impera atentar às situações em que tais operações são realizadas entre entidades com relações especiais, nomeadamente, a alienação de viatura de sociedade unipessoal por quotas ao sócio único, e, consequente, celebração de contrato de comodato. Juridicamente, tal operação, parece viável, pelo facto de se encontrar prevista, no art.º 270º-F do Código das Sociedades Comerciais, a possibilidade de celebração de contrato entre o sócio e a respetiva sociedade unipessoal. Será admissível, ainda, a não cobrança de juros, devidos nos empréstimos concedidos pela empresa aos sócios/acionistas, pelo facto de estes cederem, a título gratuito, ulteriormente, à aquisição, a utilização da viatura por parte da empresa? E o pagamento em prestações do valor da viatura, será, também, legítimo? Entende-se que ambas as situações são possíveis, desde que celebrados, e cumpridos, os contratos de mútuo comercial e de comodato. Contudo, importa não olvidar as normas anti abuso, previstas para os preços de transferência, consagradas nos artigos 63º e 138º do CIRC.

Considera-se pertinente, também, enaltecer que, o comodato, configura uma operação sujeita a IVA, à taxa normal, por força do disposto da al. b) do n.º 2 do art.º 4º do CIVA, sempre que, o comodante, seja sujeito passivo de IVA. Importa, ainda, sublinhar que, não há lugar a Imposto do Selo, pelo facto de a verba 5 da Tabela Geral do Imposto do Selo, norma em questão, ter sido revogada, pela LOE/2009, a qual previa a incidência da taxa de 0,8% sobre o valor do comodato, conforme estabelecido pela IVE 8037 – proc. 2014003374.

Por último, será interessante relembrar que, o Imposto do Selo foi criado, em 1960, como imposto extraordinário. Tendo em conta que, ainda, vigora atualmente, conclui-se que sofreu uma mutação, de imposto extraordinário para imposto ordinário, tal como sucedeu com o imposto extraordinário sobre algumas despesas das empresas e a tributação autónoma. Será legítimo suscitar a legalidade de ambos tributos?

Da discussão nasce a luz e todos os contributos são bem-vindos.
Seguimos juntos!

Carlos Lemos
28/maio/2019


Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA: "O CONTRATO DE COMODATO E AS VIATURAS SUJEITAS A TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA”

Publicado no Boletim Eletrónico APECA n.º 23 (Maio/2019)


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